terça-feira, 10 de março de 2009

A polícia do “evangélico” (31/10/2001)

As cenas de brutalidade registradas no vestibular refletem o quadro de desmando e irresponsabilidade a que está entregue a ação policial no Rio de Janeiro. Quem é o responsável por aquilo? Invadir com força armada um campus universitário é coisa que, mesmo no auge da ditadura, causava revolta. Tudo se passou em áreas da União. Quem pediu policiais armados de metralhadoras e outras armas de guerra, no que poderia ter resultado em mortos ou feridos graves? Foi o Ministro? O Presidente? Um reitor toma uma decisão polêmica e imprudente e o Governador se apressa a mandar uma tropa armada até os dentes para enfrentar uma dúzia de estudantes? Onde é que nós estamos? Se um jovem acaba com uma bala na cabeça iam dizer o quê? Que foi guerra de quadrilhas ou gangues do tráfico, como sempre?
Agora, se o Governador providencia o necessário para aquela explosão de brutalidades diante das câmaras de televisão, numa Universidade federal, com jovens de classe média, o que acontece nos becos das favelas da nossa cidade, contra adolescentes negros e miscigenados, em relação aos quais a mídia aceita que sejam, automaticamente, depois de mortos a bala, todos apontados como traficantes e criminosos? Aí está a matança, mal encoberta por estatísticas manipuladas fraudulentamente! A política de confronto, de brutalidade, de atirar primeiro e perguntar depois continua sendo estimulada da maneira mais insana, tudo em troca de eleitoralismo, para aparecer na mídia como se estivesse “combatendo a violência”, como se combate à violência fossem expedições armadas contra os pobres, deixando um saldo chocante de cadáveres e, pior, um ambiente de cada vez mais revolta, um sentimento profundo de exclusão, recalques e ódios. É o papel de um falso evangélico, que não se envergonha de mentir e de jogar com a vida de nossos irmãos da pobreza.
Combate à violência e à criminalidade não pode ser tratado como elemento de marketing. Quando o Governador subiu a Mangueira para dar solidariedade à família de uma menina morta pela polícia, todos quisemos julgar que era sincero. Mas não era, era só uma jogada de propaganda, que iria se desmentir com a carta branca que deu à polícia para agir com violência. Não se passa uma semana sem explodir a revolta de comunidades inteiras com a brutalidade policial, acabando em quebra-quebras e ônibus incendiados. E ai, invariavelmente, dizem que é obra de traficantes, etc, etc...O adolescente que morreu baleado, ganha logo um apelido aterrorizante e “ligações” com os traficantes, não importa que todos ali digam o contrário.
Agir na essência, recuperar os Cieps, física e pedagogicamente, mudar a mentalidade e práticas de uma polícia violenta e cheia de promiscuidade com o crime, isso não é bom marketing nem sustenta pretensões eleitorais. De que adianta o falso fundamentalismo em matéria de segurança pública, se a realidade é que chegamos ao ponto destes ataques de carretas contra uma cadeia estadual? Espalhafato, brutalidade, insensibilidade, porém, acabam, logo, se desmascarando, como vimos acontecer desde Moreira Franco, o novo amigo do atual Governador. Como aquele, também este está desmoralizado e desacreditado entre as pessoas lúcidas e também vai carregar, por sua traição e desumanidade, por seu cinismo e sua falta de respeito com o povão que o colocou no poder, a eterna e fatal maldição dos pobres e de todos quantos ele traiu.
Leonel Brizola

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