terça-feira, 10 de março de 2009

Veja: terrorismo impresso (11/11/2001)

Muitos, talvez, não tenham tomado conhecimento que, há poucos dias, a Veja publicou um amontoado de distorções e insinuações visando atingir a honradez de meus 50 anos de vida pública, que nem mesmo a ditadura e seu ódio a mim puderam conspurcar diante da opinião pública. Trata-se de uma revista cada vez mais desacreditada e decadente, cujas armações sucessivas já a descredenciaram perante as pessoas mais lúcidas e informadas. Tanto é assim que o amontoado de inverdades, distorções e insinuações maldosas que publicou foi, praticamente, ignorado pela imprensa em geral.
Mesmo assim, trato do assunto com a serenidade de quem, por dedicar-se à vida pública , aos interesses do povo brasileiro, sofreu perseguições, exílio e preconceitos. É inútil que a Veja, mesmo com a falta de escrúpulos e o terrorismo com que usa o seu poder econômico e político, tente atacar-me sob esse aspecto, ainda que com os golpes mais baixos e sórdidos, que nem mesmo respeitam questões de natureza familiar e privada.. Tudo o que possuo e o que foi transferido aos meus filhos provém do patrimônio herdado por minha saudosa Neusa. Muito dele perdeu-se com as perseguições e dificuldades que vivemos com a ditadura e o exílio. O restante, foi administrado com austeridade, sacrifício e, sobretudo, muito trabalho, meu e de minha mulher. A “acusação” de que, em 20 anos, ele teria quadruplicado é, simplesmente, ridícula.. O tal crescimento “escandaloso” é quase o mesmo que teria uma caderneta de poupança, sem riscos e sem trabalho algum. Se estivesse em dólar, seria 7,5479 vezes maior, deixando tudo parado. E o nosso trabalho, por 35 anos, nada rendeu? Quanta canalhice!
Os meios sórdidos e as insinuações tão flagrantemente torpes, o que fizeram, na maioria dos casos, foi justamente o inverso do que pretendiam. De toda a parte, o que mais recebi foi solidariedade e manifestações de indignação, de amigos e até de adversários políticos leais. Claro que isso me conforta, mas não é o bastante. Nem mesmo é suficiente que eu vá buscar no Judiciário a reparação a que tenho direito diante do que fizeram na revista e espalhando, a peso de ouro, out-doors pelo país inteiro.
Agora, tenho direito a apresentar ao povo brasileiro a comparação entre quem ataca e quem é atacado, como eu fui. Aqui, um brasileiro que nunca fez negócios, nunca obteve concessões ou favores públicos, nunca compactuou com ditaduras. Lá, um grupo de aventureiros que transitou dos EUA para a Argentina, que de lá veio tocado para o Brasil, que aqui foi cevado nos tempos do autoritarismo com publicidade milionária e terrenos para seus hotéis, um império construído com a riqueza de um país e de um povo ao qual jamais amou e defendeu.
De mim, Leonel Brizola, puderam tirar muito, mas jamais puderam ou poderão tirar a honra e a disposição de enfrentar, de peito aberto e sem medo, os Civita, sua Veja e seu poderoso império. Nunca me escusei de dar satisfações a todas as pessoas de bem e à imprensa do meu país. Tenho direito, portanto, de exigir que expliquem, perante a opinião pública, como multiplicaram, não por três ou quatro, mas por milhares e milhares de vezes, as suas fortunas pessoais e empresariais, acolhidos no Brasil pela ditadura , para servi-la e aos interesses internacionais, enquanto impediam a mim e a minha família de vivermos em nosso próprio país.
Leonel Brizola

A polícia do “evangélico” (31/10/2001)

As cenas de brutalidade registradas no vestibular refletem o quadro de desmando e irresponsabilidade a que está entregue a ação policial no Rio de Janeiro. Quem é o responsável por aquilo? Invadir com força armada um campus universitário é coisa que, mesmo no auge da ditadura, causava revolta. Tudo se passou em áreas da União. Quem pediu policiais armados de metralhadoras e outras armas de guerra, no que poderia ter resultado em mortos ou feridos graves? Foi o Ministro? O Presidente? Um reitor toma uma decisão polêmica e imprudente e o Governador se apressa a mandar uma tropa armada até os dentes para enfrentar uma dúzia de estudantes? Onde é que nós estamos? Se um jovem acaba com uma bala na cabeça iam dizer o quê? Que foi guerra de quadrilhas ou gangues do tráfico, como sempre?
Agora, se o Governador providencia o necessário para aquela explosão de brutalidades diante das câmaras de televisão, numa Universidade federal, com jovens de classe média, o que acontece nos becos das favelas da nossa cidade, contra adolescentes negros e miscigenados, em relação aos quais a mídia aceita que sejam, automaticamente, depois de mortos a bala, todos apontados como traficantes e criminosos? Aí está a matança, mal encoberta por estatísticas manipuladas fraudulentamente! A política de confronto, de brutalidade, de atirar primeiro e perguntar depois continua sendo estimulada da maneira mais insana, tudo em troca de eleitoralismo, para aparecer na mídia como se estivesse “combatendo a violência”, como se combate à violência fossem expedições armadas contra os pobres, deixando um saldo chocante de cadáveres e, pior, um ambiente de cada vez mais revolta, um sentimento profundo de exclusão, recalques e ódios. É o papel de um falso evangélico, que não se envergonha de mentir e de jogar com a vida de nossos irmãos da pobreza.
Combate à violência e à criminalidade não pode ser tratado como elemento de marketing. Quando o Governador subiu a Mangueira para dar solidariedade à família de uma menina morta pela polícia, todos quisemos julgar que era sincero. Mas não era, era só uma jogada de propaganda, que iria se desmentir com a carta branca que deu à polícia para agir com violência. Não se passa uma semana sem explodir a revolta de comunidades inteiras com a brutalidade policial, acabando em quebra-quebras e ônibus incendiados. E ai, invariavelmente, dizem que é obra de traficantes, etc, etc...O adolescente que morreu baleado, ganha logo um apelido aterrorizante e “ligações” com os traficantes, não importa que todos ali digam o contrário.
Agir na essência, recuperar os Cieps, física e pedagogicamente, mudar a mentalidade e práticas de uma polícia violenta e cheia de promiscuidade com o crime, isso não é bom marketing nem sustenta pretensões eleitorais. De que adianta o falso fundamentalismo em matéria de segurança pública, se a realidade é que chegamos ao ponto destes ataques de carretas contra uma cadeia estadual? Espalhafato, brutalidade, insensibilidade, porém, acabam, logo, se desmascarando, como vimos acontecer desde Moreira Franco, o novo amigo do atual Governador. Como aquele, também este está desmoralizado e desacreditado entre as pessoas lúcidas e também vai carregar, por sua traição e desumanidade, por seu cinismo e sua falta de respeito com o povão que o colocou no poder, a eterna e fatal maldição dos pobres e de todos quantos ele traiu.
Leonel Brizola